Há pouco tempo, numa conversa mencionei que ouvir jazz exigia tanto que me cansava. Responderam-me, "como é que ouvir música pode cansar?". Uma boa pergunta...
A música pode cansar quando nos deixamos levar por ela e a permitimos entrar dentro de nós. Se ela for complexa como o jazz, a procura instintiva da ordem no aparente caos da improvisação ou estrutura composicional do tema irá exigir um esforço mental no nosso mergulho na música que cansa.
Não é por acaso que a música que mais passa nas rádios é a pop. Melanie C, Robbie Williams, Keane, Shakira e mais o resto. As suas músicas vivem da harmonia instantânea. Não estou a dizer que o seu trabalho não tenha o seu mérito, estou antes a afirmar que ao terem uma harmonia acessível, esta entra dentro de nós sem grande dificuldade, daí serem as mais ouvidas. Não exigem esforço da nossa parte para a sua apreensão e a pessoa pode desfrutar da beleza da música e não sair exausta. No entanto são também as mais efémeras porque não existe o efeito da conquista da sua compreensão por parte de quem a ouve.
Um exemplo pessoal, até há cinco anos atrás não achava grande piada ao Fado. Quando os restos mortais da Amália foram transladados para o Panteão, pensei que era honra a mais. Mas coisas aconteceram na minha vida e emocionalmente lancei-me na conquista da essência do Fado e ele entrou no meu íntimo. De repente conseguia deliciar-me na beleza das palavras dos poetas na voz da Amália. Letras como as de Ary dos Santos,
"Alfama não cheira a Fado
Cheira a povo, a solidão
Cheira a silêncio magoado
Sabe a tristeza com pão."
tomaram conta das minhas emoções e modularam-nas à sua vontade. Conquistei o Fado e em troca a música acaricia-me, envolve-me no seu abraço.
No entanto são músicas que não oiço com muita frequência. "Alfama" de Amália/Ary dos Santos/Alain Oulman e outras tantas canções penetram no meu mais íntimo e por isso às vezes evito-as, quando não quero que toquem nas minhas emoções mais profundas.
Sim, a música pode cansar, magoar ou sarar. É esse o seu encanto, é por isso que não conseguimos viver sem ela.